sexta-feira, 3 de abril de 2015

A Função e o Dom Pastoral

A função e o dom pastoral

*Discurso apresentado na ocasião da formatura da Turma 2012 de Bacharel em Teologia da Faculdade Teológica Batista de São Paulo

A função e o dom pastoral

UFA! Depois de quatro curtos anos, terminamos o início de nossa jornada teológica. Sim, a maioria de nós achou que quatro anos demorariam uma eternidade; mas não foi isso que aconteceu, não é mesmo?
Entramos achando que sabíamos muita coisa, e saímos com a certeza de que há muito a se aprender ainda. Neste tempo na Faculdade Teológica Batista de São Paulo deram-nos um GPS teológico e nos ensinaram a mexer nele. Aprendemos alguns comandos, aprendemos algumas rotas; mas, a partir de agora, caberá a cada um de nós, com a ajuda de Deus, descobrir outros recursos para traçar nosso caminho.
Ao longo desses quatro anos todos nós enfrentamos problemas financeiros, logísticos e familiares e até mesmo espirituais; grande foi a nossa luta. Sem contar o tempo escasso para fazer todos os trabalhos de todos os professores, cuidar da nossa família, desenvolver nosso ministério e ainda por cima trabalhar o dia todo. Porém, a despeito de todos estes desafios o maior deles certamente foi ter nossa fé confrontada e nossa espiritualidade testada. Tivemos que fazer escolhas que nos acompanharão pelo resto de nossas vidas.
Nossa turma certamente era diferenciada, e já pudemos sentir o clima logo no primeiro semestre, quando levamos uma bronca federal do diretor por termos acabado com a tinta da impressora dele, quando precisou imprimir alguns e-mails que trocamos sobre a participação de grupos de outras denominações em nossas igrejas. Em meio aos debates acalorados nossa amizade se fortalecia, e fomos descobrindo que podemos conviver com as diferenças de opiniões sem que isso influenciasse os nossos relacionamentos.
Nossa turma tinha alunos comediantes, sérios, compenetrados, dorminhocos, alunos que perguntavam as coisas e se desviavam do assunto, alunos que saiam da sala quando não concordavam com alguma coisa; alunos que ficavam bravos com os professores que seguravam a turma até às 22h46min. Havia alunos modernos, pós-modernos e até mesmo pré-modernos. Aprendemos muito uns com os outros.
Com alguns pudemos dividir nossas angústias, medos e temores. Aprendemos com alguns professores a interceder uns pelos outros. Dividimos também as alegrias e bênçãos. Quantos não perderam seus empregos e oramos? Quantos não estavam com problemas em suas famílias e receberam conforto e consolo? [trecho omitido por apresentar características pessoais da turma]
Certamente ganhamos amigos e irmãos para a vida toda. Espero sinceramente não ter que chama-los de “nobre colega” quando for visita-los em suas igrejas ou em algum evento comum; mas espero chama-los simplesmente de “amigo”. Indubitavelmente precisaremos uns dos outros durante nossa jornada, pois entendo não ser possível cumprir o ministério se não houver camaradagem e companheirismo enquanto carregamos a carga uns dos outros. Não precisamos fazer parte da assombrosa estatística sobre a grande solidão que os pastores e líderes eclesiásticos enfrentam por não terem amigos ou a quem recorrer nos momentos de aflição e desespero.
Uma das cargas mais pesadas que podem pesar sobre nossos ombros é a tentação de querer ter todas as respostas para todas as angústias humanas. Devemos nos lembrar de que não somos gurus, nem temos um acesso diferenciado a Deus, mas fomos chamados para treinar os santos para que cada um desenvolva seu próprio ministério. Experimentar o poder libertador da frase “Não sei” é uma das experiências mais gratificantes, pois nos abre um caminho plano até Deus e ali podemos deixar nossas preocupações e angústias sabendo que é ele quem cuida e dará a provisão necessária.
O “não sei” também nos liberta de sermos indispensáveis. Não faz parte do nosso ministério tornar as pessoas dependentes de nossas opiniões, dependentes de nossas ideias ou dependentes de nossa práxis. É certo que somos formadores de opinião, mas temos de dar asas às pessoas e incentivá-las em seu próprio caminho e ministério. Daremos conta daquilo que ensinarmos e não daquilo que cada um fez com o que foi ensinado.
Outra carga pesada que pode encurvar nossas costas e desviar nossos olhos do verdadeiro alvo é querer ser relevante o tempo todo ou querer o sucesso. Evidentemente Deus não nos chamou para o sucesso, mas para sermos fiéis despenseiros de sua palavra. John Stott ressalta que o despenseiro deve ser digno de confiança e não ser relevante ou famoso.
Nosso chamado não deve ser confundido com a atribuição de um título, pois a nossa função na e para a Igreja não terá valor algum se desconsiderarmos os dons espirituais. E creio que Paulo, em Efésios 4:11, não esteja se referindo a ofícios ou títulos, mas aos dons espirituais de cada membro do corpo de Cristo. E, uma vez que Paulo refere-se a dons e não a títulos ou funções, não creio que devamos ter ou buscar qualquer tipo de primazia na igreja. Devemos estar abertos a recebermos críticas e sugestões como qualquer outro membro de nossa comunidade; e não devemos achar que nossa palavra seja mais inspirada ou infalível do que a dos demais membros.
Conquanto nossa função na igreja tenha algum destaque, nosso dom nos coloca em igual posição a todas as pessoas diante de Cristo. Temos que nos lembrar de que o chamado é para todos os cristãos e não apenas do líder eclesiástico. E não há na Bíblia nenhuma diferenciação entre os dons, pois todos são distribuídos graciosamente por Deus a todos os cristãos. Portanto, nossa tarefa como líderes, é indicar e treinar os cristãos para o exercício dos seus dons a serviço da Igreja do Senhor e da sociedade.
Não nos esqueçamos de que parte da nossa tarefa será o exame constante do grego, do hebraico, dos livros de hermenêutica e exegese, do contexto histórico e teológico; mas tenhamos em mente que deveremos estar atentos aos jornais, à internet, aos questionamentos e inquietações do nosso povo e dar-lhes o consolo e alento que apenas a Palavra viva e penetrante do Senhor pode dar.
Que as ruas e becos sejam a extensão dos nossos púlpitos e nossas comunidades estejam além das paredes para estarem nas casas e nos abrigos. Que a nossa alegria e alvo ministerial não estejam fundamentados nas aquisições da Igreja, nem no aumento do templo, nem no aumento das receitas, nem em nossa carreira eclesiástica e espiritual ou em qualquer outra meta numérica que nos faça perder o verdadeiro alvo: que não é um número ou estatística, mas é o caráter de Cristo formado em cada cristão que cumpre seu chamado e exerce o seu ministério, para a glória do Senhor Jesus.
Que Deus nos ajude e nos capacite a sermos irrepreensíveis, firmes e constantes em nosso chamado para o treinamento e capacitação do chamado de todos os cristãos.



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